Wania Pinheiro
Os conflitos entre vizinhos, que têm seus limites demarcados por uma cerca ou um muro acontecem diariamente em todos os lugares do mundo. Imaginem a convivência entre dezenas de famílias que limitam seus espaços entre paredes construídas por lonas, um tipo de plástico bastante utilizado para proteger mantimentos, objetos ou até parte de construções.
No Parque de Exposição Marechal Castelo Branco onde estão abrigadas 235 famílias que tiveram suas casas invadidas pelas águas do rio Acre, a convivência entre as mais de mil pessoas que integram essas famílias, por incrível que pareça, vem sendo a melhor possível. Mesmo elas vivendo separadas apenas por uma parede de lona. “Nada melhor do que a casa da gente, mas aqui não tenho do que reclamar. Temos água tratada, comida, assistência médica, policiamento, cinema e ainda posso fazer alguns cursos e tocar o meu violão”, diz o músico Cristiano Ferreira Alves, 19 anos, morador do bairro Cadeia Velha.
Os desabrigados pela enchente começaram a chegar ao parque de exposição no dia 19 de março, mas somente no final da semana passada o prefeito de Rio Branco, Raimundo Angelim (PT) assinou um decreto declarando situação de emergência. Angelim pediu apoio ao governo do estado, ao governo federal e a ainda a todas as pessoas que pudessem ajudar com a doação de alimentos e agasalhos.
De acordo com levantamento apresentado por uma das coordenadoras do parque, Stefânia Pontes, 380 famílias atingidas pela enchente ocupavam abrigos instalados pela prefeitura e governo estadual até a última quinta-feira, 15. Ela diz que 235 famílias estão alojadas no parque de exposição, outras cem no Sest-Senat e 45 na escola Luíza Carneiro Dantas. No total, essas famílias somam 1.625 pessoas que consomem diariamente cerca de 750 quilos de carne.
Para alimentar as centenas de pessoas que lotam os abrigos, são preparados em uma cozinha instalada no parque e sobre a orientação de um nutricionista, duzentos quilos de arroz, cem de feijão, cento e cinqüenta quilos de farofa, cem pacotes de macarrão, além dos condimentos, verduras e legumes que acompanham o cardápio. “Estamos sempre variando entre o cosidão, charque, frango ou lingüiça toscano”, diz uma das cozinheiras. Cerca de duzentas e cinqüenta funcionários públicos e voluntários se revezam dia e noite para ajudar na organização do parque.
A dona de casa Maria Das dores Silva, 38, reclama do barulho das crianças, mas diz que o que lhe conforta é estar em um lugar onde a presença da polícia é constante. O posto de saúde instalado para atender exclusivamente aos desabrigados, também tranqüiliza Maria, que é mãe de cinco filhos. “Tem dia que só falto ficar dois com os meus meninos correndo junto com os outros, mas estou feliz por estar em um lugar onde tenho comida, médico e segurança para atender a gente no caso de uma necessidade”, diz.
Maria Das Dores se refere a uma unidade móvel da Polícia Militar que faz o policiamento em toda a área durante 24 horas. O trabalho do Saerb, que abastece o parque todos os dias com cinco mil litros de água tratada, também vem sendo bastante elogiado pelas pessoas que trabalham e que estão abrigadas no parque. Outro serviço de grande importância e que se percebe na chegado ao local é a segurança em que se encontram os móveis e utensílios de cada família. Toda a mobília foi colocada debaixo de galpões e coberta por uma lona. Os lotes podem ser facilmente identificadas através de placas que indicam o nome dos proprietários.
A qualidade da comida e o atendimento no posto de saúde, segundo a dona de casa Francisca Abreu Santos faz esquecer um pouco a imagem que guarda de sua casa, que ficou debaixo d’água no bairro Seis de Agosto. Ela também elogia o tratamento recebido pelos dois filhos que estão abrigados no parque há duas semanas.
O barulho das crianças e os cães que dividem o abrigo incomodam Francisca, mas ela se diz agradecida por não ter perdido nenhum utensílio doméstico e estar em um local seguro com a família. “Aqui a gente não precisa se preocupar nem em fazer comida, graças a Deus”, diz a dona de casa.
Cantinho da Cidadania
No abrigo do Parque Castelo Branco os jovens têm várias opções durante todo o dia, como praticar esporte na quadra de futebol de areia ou de vôlei ou brincar nos jogos de mesa. Mas o Cantinho da Cidadania, um lugar onde as crianças participam de atividades artísticas e cultural é o que mais chama a atenção das centenas de meninos e meninas que hoje estão abrigados no parque de exposição. Lá, eles podem brincar com vários jogos educativos, pintura livre e facial ou assistir a filmes em um telão.
A menina Gabriela Cruz, 7 anos, diz que passa o dia brincando de pular corda ou fazendo pinturas no Cantinho da Cidadania. “Lá eu brinco de pintar o rosto, também faço pinturas no papel, canto, vejo filmes e faço um monte de coisas divertidas”, conta Gabriela, que teve sua casa invadida pelas águas no bairro Taquari.
Rádio Comunitária ajuda com informações
Um sistema interno de comunicação instalado no box da Rádio Difusora, envia vários tipos de orientações aos ‘hóspedes’, principalmente sobre as regras de convivência. Uma equipe especializada da Prefeitura de Rio Branco cuida dessa parte. Quando acontece algum tipo de desentendimento entre vizinhos seus membros são enviados imediatamente ao local do conflito, onde tentam contornar a situação.
A jornalista Lamlid Nobre, responsável pelo sistema de comunicação, diz que a ‘rádio ‘comunitária’ também envia diariamente informações de como se prevenir de alguns tipos de doenças, além de estar sempre convidando os desabrigados a participaram de cursos na oficina de reciclagem, arranjos florais, confecção em tecidos, pinturas e bijuterias.
Em todos os lugares do parque onde há famílias instaladas se pode ouvir as informações do sistema de comunicação e ainda música de vários estilos. “Aqui se ouve gospel, MPB, brega e até internacional. A intenção é distrair as pessoas que estão abrigadas e também aos servidores públicos e voluntários que trabalham o dia inteiro”, diz o músico Dalas Dean.
A radialista Tânia Façanha, que integra a equipe, diz que quando alguém chega ao parque procurando por um parente a rádio comunitária ajuda a encontrá-lo. “Também orientamos sobre a utilização dos banheiros, o cuidado com as crianças e outras informações que ajudam na limpeza e segurança do local”, explica.
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